“Essência-1”.
Abhidharmahrdaya -“A essência do Abhidharma”.
Autoria: Dharmasresthin.
Tradução para o chinês: Sanghadeva.
Tradução para o português: Joaquim Antônio Bernardes Carneiro Monteiro.
Primeiro Capítulo - A respeito das esferas ( Dhatus )
1-“Curvo-me inicialmente em reverência ao mais excelente, àquele que superou as paixões e que possui um semblante compassivo. Expresso ainda veneração por aqueles que seguem seu ensinamento e que precisam ser verdadeiros Monges libertos do apego".
Assim é ensinado: é necessário conhecer as características dos dharmas. Por que é necessário conhecer as características dos dharmas? A sabedoria permanentemente estabelecida conhece as características permanentes dos dharmas.
Ou ainda é ensinado: chamamos de estabelecimento a sabedoria que conhece as características dos dharmas. Em função disso se ensina a necessidade de conhecer as características dos dharmas.
Questão: a existência mundana também conhece as características dos dharmas, sendo a sua asserção a expressão de uma suprema ignorância. Ela conhece ainda a característica da dureza da terra, a característica da volatilidade da água, a característica do calor do fogo e a característica do movimento do ar. Conhece ainda a característica do espaço como a ausência de impedimentos e a característica da consciência como a ausência de forma. Pretender conhecer essas coisas não é mais do que uma tautologia. Se temos que conhecer novamente aquilo que já é conhecido isso se torna um processo interminável e sem sentido.
Resposta: a existência mundana não conhece as características dos dharmas. Caso a existência mundana conhecesse as características dos dharmas ela já teria se estabelecido mesmo em seu estado não estabelecido. Sendo as características dos dharmas permanentemente estabelecidas não podemos conhece-las sem nelas nos estabelecermos. Assim sendo, devemos nelas nos estabelecer caso ainda não o tenhamos feito. Mas na verdade não estamos nelas estabelecidos. Quando dizemos que a existência mundana não conhece as características dos dharmas queremos dizer que ela desconhece a característica da impermanência, a característica do sofrimento e a característica da ausência de ãtman da característica da dureza da terra. Se não fosse assim, a característica da dureza poderia ter a característica da permanência, a característica da alegria e a característica da existência do ãtman. Não sendo assim, sabemos que a característica da dureza consiste nas características da impermanência, do sofrimento e da ausência de ãtman. Se a existência mundana conhecesse a característica da dureza ela também teria que conhecer as características da impermanência, do sofrimento e da ausência de ãtman , mas na verdade ela não as conhece. Nesse sentido podemos dizer que a existência mundana desconhece a característica da dureza.
Questão: quais são as características dos dharmas a que você se referiu anteriormente como devendo ser conhecidas?
Resposta:
2-“Conheceu ele ( Sáquia-Muni ) as características dos dharmas , abrindo a visão da sabedoria do correto despertar e a esclarecendo em benefício dos outros. É isso que me proponho agora a esclarecer.”
Questão: quais são os dharmas conhecidos pelo Buda?
Resposta:
3-“Aquilo que é permanente, o ãtman, a alegria e a pureza se separa de todas as atividades contaminadas.”
Como todas as atividades contaminadas surgem se transformando elas se separam da permanência. Como não existem por si mesmas se separam do ãtman. Como estão sujeitas à ruína se separam da alegria. Como seu discernimento é perverso se separam da pureza.
Questão: se a permanência, o ãtman, a alegria e a pureza se separam dos dharmas contaminados como podem os seres sencientes em seu interior acolher essas características?
Resposta:
4-“É em função do discernimento da permanência que surgem as visões perversas e contaminadas.”
Os seres sencientes desconhecem as características dos dharmas contaminados recebendo assim a permanência, o ãtman, a alegria e a pureza. Eles são como alguém que discernindo alguma coisa em seu passeio noturno pensa estar vendo um ladrão.
Questão: o que são os dharmas contaminados?
Resposta:
5-“Àqueles dharmas que fazem surgir as paixões o Sábio ensina serem contaminados.”
No Capítulo sobre os Kleshas se ensina que se em função desses dharmas surgirem as paixões se trata de dharmas contaminados.
Questão: porque?
Resposta:
6-“As paixões e contaminações são existências nominais daquele que as discerne.”
Às paixões chamamos de contaminações na medida em que contaminam as entradas e em que se fixando na mente conduzem à continuidade do “devir cíclico” ( nascimentos-e-mortes ). Sendo algo não humano se denominam contaminações.
Questão: existe algum outro nome para elas?
Resposta:
7-“Chamam-se de agregados da sensação ou de discórdia derivada das paixões. A esse dharma denominamos de agregados contaminados.”
São assim chamados de esforços penosos e de discórdia.
Questão: porque?
Resposta:
8-“Como a discórdia surge em função das paixões isso deve ser claramente conhecido.”
As paixões como a visão do corpo são chamadas de paixões por atormentarem os seres sencientes. Por perturbarem o corpo são chamadas de tribulações , por levarem a mente à ira e à raiva são chamadas de discórdia. Os diversos dharmas contaminados que surgem em função de paixões como a visão do corpo são chamados de perturbações por perturbarem os seres sencientes, são chamados de sensação por produzirem sensações e de discórdia por produzirem discórdia. Como já foram devidamente esclarecidos os “agregados contaminados” devo agora esclarecer as características dos agregados.
9-“Caso os dharmas condicionados e incontaminados se separem das paixões todos os agregados mesclados com a sensação são ensinados pelo Sábio como se constituindo nos agregados.”
Questão: o que é o agregado da forma?
Resposta:
10-“Dez variedades se constituem nas entradas da forma, existindo ainda a forma subliminar e conceitual. Essa é a discriminação do agregado da forma ensinada por Sáquia-Muni.”
As dez variedades das entradas da forma são a visão, a forma, o ouvido, o som, o olfato, o odor, o paladar, o gosto, o tato e os objetos tácteis. Ou ainda conforme é ensinado no Capítulo sobre o Carma sabemos que a forma subliminar e conceitual pertence ao agregado da forma quando este é corretamente discernido. É ensinado pelo Venerado pelo mundo que:
11-“O agregado da consciência é o nome se constituindo na entrada da mente. Dentre as dezoito esferas existem sete variedades.”
O agregado da consciência é a entrada da mente. Existem ainda sete modalidades entre as esferas. Consistem nas consciências visuais, auditivas, olfativas, do paladar, do tato, da mente e da base da mente.
12-“Os três agregados restantes, a forma subliminar e os três incondicionados são denominados de entradas do dharma ou ainda de esferas do dharma.”
Os três agregados restantes consistem nos agregados da sensação, da identificação e das formações volitivas. Além da forma subliminar, os três incondicionados consistem no espaço, na extinção devida ao conhecimento e na extinção não-devida ao conhecimento. São denominados em sua totalidade como entradas do dharma ou esferas do dharma. Os agregados dizem respeito apenas aos dharmas condicionados. As entradas incluem os dharmas condicionados e incondicionados. Já tendo ensinado devidamente os agregados, esferas e entradas passo agora a esclarecer cada uma das características.
13-“Entre as esferas uma é visível, dez sofrem resistência, entre as neutras existem oito modalidades e as demais são benéficas ou maléficas.”
Que entre as esferas uma seja visível significa que a esfera da forma sendo passível de contato aqui e ali ela é visível. Devemos saber assim que as outras dezessete não são visíveis. Que dez sofrem resistência significa as dez esferas da visão, da forma, da audição, do som, do olfato, do odor, do paladar, do sabor, do tato e dos objetos tácteis. Cada um deles possui um obstáculo em seu objeto. Como só possuem um objeto e não dois dizemos que estão sujeitos à resistência desse objeto. Devemos saber ainda que existem oito sem resistência. Que existam oito modalidades neutras significa que a visão, a audição, o olfato, o odor, o paladar, os sabores, o tato e os objetos tácteis são neutros por não conduzirem a retribuições cármicas agradáveis ou desagradáveis. Que os demais são benéficos ou maléficos significa os dharmas da forma, do som, da mente e das seis consciências. Que um movimento corporal benéfico é uma forma benéfica, que um movimento corporal maléfico é uma forma maléfica e que as demais formas são neutras. São como o som, a boca e o movimento das mentes puras das sete esferas da consciência. No que diz respeito aos benéficos e aos maléficos os que surgem em concordância com as paixões são maléficos sendo os demais neutros. As características da mente das esferas dos dharmas da consciência são conforme as mentes assim ensinadas. Se não estiverem em concordância com esse ensinamento serão esclarecidos no Capítulo sobre os temas mesclados.
14-“Existem quinze contaminados, sendo os restantes duas, três e três existências. Na existência do desejo existem quatro e onze existem nas duas existências.
Que existam quinze contaminados significa as cinco esferas internas, as cinco esferas externas e as cinco esferas da consciência que permanecem associadas à contaminação. As duas restantes são a esfera da mente, a esfera da consciência e a esfera do dharma que podem ser tanto contaminadas quanto incontaminadas. Se permanecerem associadas às contaminações são contaminadas, se não permanecerem são incontaminadas. As três e três existências significa que as esferas da mente, do dharma e da consciência são três existências reconhecíveis como existências no desejo, na forma e no informe. Que existam quatro na existência do desejo significa que as consciências dos odores, sabores, do olfato e do paladar pertencem à existência do desejo e não à da forma ou à do informe pois essas renunciaram ao desejo por alimento sólido. Que onze existem em duas existências significa que nas existências do desejo e da forma existem onze esferas incluindo aí as cinco esferas internas da forma, do som, dos objetos tácteis e a esfera da consciência. Essas não existem no informe por ser ele separado da forma.
15-“O direcionamento para o objeto e o pensamento discursivo existem em cinco estando ausentes nas três atividades e nos três restantes. Devemos conhecer sete que possuem objeto e que existem poucas entradas do dharma.”
Que existem cinco que possuem o direcionamento para o objeto e o pensamento discursivo significa que a esfera das cinco consciências surge conjuntamente com esses dois fatores estando em concordância com eles. Os três das três atividades significam as três atividades das esferas da mente, dos dharmas e da consciência. Se no mundo do desejo e na primeira absorção existem o direcionamento para o objeto e o pensamento discursivo, nas absorções intermediárias não existe o direcionamento para o objeto e só existe muito pouco pensamento discursivo. Acima dessas ( ou seja: na quarta absorção ) não existe nem o direcionamento para o objeto nem o pensamento discursivo. Que não exista nos restantes significa que nas demais esferas não se fazem presentes o direcionamento para o objeto e o pensamento discursivo por não estarem em concordância com esses fatores. Que devemos saber que sete possuem objeto significa que possuindo sete esferas, seus respectivos objetos devem ser assim considerados. É da mesma forma em que chamamos alguém de pai pelo fato de ter um filho. A consciência visual tem a forma por seu objeto, a consciência auditiva tem o som por seu objeto, a consciência olfativa tem os odores por seu objeto, a consciência gustativa tem os sabores por seu objeto, a consciência táctil tem os objetos do tato como seu objeto e a consciência tem os dharmas como seu objeto. Que existam poucas entradas do dharma significa que os dharmas da mente e das funções mentais possuem objetos e que os demais dharmas não os possuem.
16-“Nove são sem sensação com a exclusão de dois que incluem igualmente os dharmas condicionados e incondicionados. No que diz respeito aos condicionados devemos saber que existem dezessete esferas.”
Que nove são sem sensação significa que a sensação implica nas bases da forma, dos dharmas da mente e das funções mentais que não se separam de suas bases quando permanecem em sua atividade. Os demais são sem sensação. Dentre as nove esferas não existe sensação. A esfera do dharma da consciência auditiva não permanece nos dharmas da mente e das funções mentais. Com a exclusão de dois significa que se as cinco esferas internas se tornarem sensações no presente elas permanecem enquanto dharmas da mente e das funções mentais. Como no passado e no futuro não existem sensações elas não permanecem nos dharmas da mente e das funções mentais. A forma, o odor, o sabor e os objetos tácteis como não se separam de suas bases se constituem em sensações presentes. É como se permanecessem nas bases dos dharmas da mente e das funções mentais. E é da mesma forma no que diz respeito aos demais. Por não se separarem de suas bases como os demais não são sensações. Que incluem igualmente os dharmas condicionados e incondicionados significa que os três incondicionados sendo permanentes não podem ser condicionados. Como as demais esferas do dharma são impermanentes elas são condicionadas. Como os dharmas condicionados e incondicionados são apresentados conjuntamente dizemos que a exposição inclui igualmente essas duas categorias de dharmas. Que no que diz respeito aos condicionados devemos saber que existem dezessete esferas significa que sendo essas dezessete esferas impermanentes elas são condicionadas. Assim sendo, devemos saber que são todas condicionadas.
Questão: discriminando dessa forma as características dos dharmas devemos defini-los em função de sua natureza própria ou da natureza de outro?
Resposta: em função de sua natureza própria.
Questão: porque?
Resposta:
17-“Os dharmas se separam da natureza de outro estabelecendo-se cada um deles em sua própria natureza. Assim sendo, devemos dizer que todos os dharmas devem ser definidos em função de sua própria natureza.”
Que os dharmas se separam da natureza de outro significa que a visão se separa da audição. Em função do pressuposto de sua separação não podemos defini-los em função da natureza de outro. Que cada um se estabelece em sua própria natureza significa que a visão se estabelece na natureza da visão. Todos os dharmas devem ser ensinados de uma forma que permita defini-los em função de se estabelecerem em sua própria natureza. Assim sendo, ensinamos que todos os dharmas devem ser definidos em função de sua própria natureza. Esses dharmas podem ser todos conhecidos em função de uma esfera, de um agregado ou de uma entrada. A respeito de todos os dharmas existe uma ampla explanação no Capítulo referente aos Sutras.
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