http://www.institutozenmaitreya.org.br/2019/04/zen-shiatsu.html

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Artigo: Projeto de tradução e pesquisa do Sãtya-siddhi-Sãstra


O Sãtya-siddhi-Sãstra da autoria de Harivarman (século 4, Era comum) e traduzido por Kumãrajiva (343-413) para o chinês é uma obra de grande radicalidade na história do pensamento budista, assumindo um importante papel no processo de seu desenvolvimento. Dentre as características principais de seu pensamento é possível apontar para sua compreensão da impermanência radical, sua visão da ignorância como atividade do falso discernimento e uma postura radicalmente antibelicista. Seria extremamente desejável uma tradução crítica integral de seu texto, mas devido às dificuldades e obstáculos no presente momento optamos por desenvolver aqui um projeto de tradução limitado à sua quarta seção dedicada à Verdade da extinção. Ao nosso ver, esta opção se justifica por pelo menos duas razões. A primeira delas é que esta seção representa a Verdade última neste Tratado através de sua concepção da extinção das três mentes, ou seja, a Mente Nominal, a Mente do dharma e a Mente do Vazio. A segunda é que ela é suficiente por si só para proporcionar uma compreensão do pensamento central deste Tratado e de sua relevância para o atual Budismo brasileiro. Para concluir, gostaria de dizer que esta tradução deverá se constituir na base de uma obra sobre a filosofia da religião em uma perspectiva budista.

Joaquim Monteiro
Porto Alegre, 15 de agosto de 2021.

Sãtya-141

Quarta seção: a Verdade da extinção.

Capítulo 141: a proposição do Nominal.

O Tratadista afirma: chamamos de Verdade da extinção à extinção das três modalidades de mente. Ou seja, a Mente Nominal, a Mente do Dharma e a Mente do Vazio.

Pergunta: de que forma são extintas estas três mentes?

Resposta: a Mente Nominal pode ser extinta através do discernimento derivado do processo de muito ouvir ou através do discernimento que deriva do processo do cultivo. A Mente do Dharma é extinta através do discernimento do vazio conforme presente em dharmas como o calor. (1) A Mente do Vazio é extinta através da entrada na absorção da extinção ou na entrada no Nirvana sem resíduos. Ela se extingue no momento em que se dá o corte da continuidade.

Pergunta: o que é a Mente Nominal?

Resposta: consiste no discernimento derivado dos agregados. Ele ensina que existe uma pessoa em função dos cinco agregados, da mesma forma com que se diz que existe um pote em função dos odores, dos sabores e do tato que constituem a forma.

Pergunta: por que isto é chamado de Nominal?

Resposta: O Buddha afirma nos Sutras, da mesma forma com que chamamos de carro uma combinação do rodas, a combinação dos agregados é chamada de pessoa. Ou ainda, da forma com que o Buddha se dirige aos Bhikkus: os dharmas são impermanentes, insatisfatórios, vazios e ausentes de ãtman. Eles surgem em função de diversas condições não possuindo uma natureza fixa. É apenas em função de seus nomes que eles se tornam objetos da memória e passam a exercer uma função. É em função destes cinco agregados que surgem diversos nomes como os seres sensíveis, os humanos e os Devas. Como neste Sutra não existe o obstáculo da existência efetiva de um dharma, existem apenas os nomes. Ou ainda, o Buddha ensina as Duas Verdades que são a Verdade rigorosa e a Verdade convencional. A Verdade rigorosa consiste em dharmas como a forma e o Nirvana, a Verdade convencional consiste apenas em nomes sem substância alguma. Da mesma maneira com que as causas e condições da forma constituem um pote, as causas e condições dos cinco agregados constituem a pessoa.

Pergunta: se não existe esta Verdade convencional em meio á Verdade rigorosa, como é possível expressar o discurso?

Resposta: os seres sensíveis da esfera mundana empregam as convenções. Como podemos saber disto? Se falamos do fogo em função da combustão, as pessoas ainda podem acreditar. Como os Buddhas e Sábios querem fazer com que elas se afastem do nominal, eles empregam as convenções mundanas. É como o Buddha afirma nos Sutras: eu não entro em controvérsias com o mundo, mas o mundo entra em controvérsia comigo. Como o Sábio não entra em conflito, as pessoas do passado desejavam falar de alguma coisa se referindo de forma nominal a respeito do surgimento de todas as coisas. Se objetos como um pote fossem palavras eles não possuiriam uma função. É por causa disto que se fala na Verdade convencional. Ou ainda, se o ensino através das Duas Verdades implicasse na pureza do Buddhadharma, não existiria uma superioridade em função da Verdade Rigorosa. É em função da Verdade convencional que não ocorre a disputa com os ignorantes. Ou ainda, se através das Duas Verdades não ocorrer a queda nos pontos de vista do aniquilacionismo e do eternalismo, não ocorre nenhuma queda em uma falsa visão nem o extravio nas perspectivas do ascetismo e do hedonismo. É em função disto que questões como o karma e seus frutos possuem consistência. Ou ainda, a Verdade Convencional é a base do ensinamento dos Buddhas. Caso ocorra um renascimento em boas condições através da generosidade e dos preceitos, este dharma dirige a mente para facilitar a aceitação do ensinamento. Em função disto, ensina-se posteriormente a Verdade Rigorosa. Esta forma de ser do Buddhadharma não é profunda em seu ponto de partida. Como ela busca atravessar gradualmente um grande e profundo Oceano, ela recorre á Verdade Convencional. Ou ainda, como o objetivo de proporcionar a realização do caminho do discernimento, ele se refere a dharmas que existem efetivamente. Conforme disse o Buddha, o Bhikku Rahula realiza agora o discernimento do caminho. Devemos ensinar aí um dharma que existe efetivamente. É em função da metáfora do calor que isto se realiza facilmente. É desta maneira que se cultiva a flexibilidade da mente através da Verdade Convencional. Ela é desfeita posteriormente em função da Verdade Rigorosa. Ou ainda se ensina nos Sutras, no início se discernem os dharmas, posteriormente é conhecido o Nirvana. O praticante sabe no início que as descrições nominais são reais, realizando posteriormente a Verdade da extinção. Ou ainda, os Klesas são simples no início e se tornam posteriormente detalhados e complexos, sendo conduzidos em seguida á sua extinção. É através de formas como o cabelo que se extingue a diferença entre homens e mulheres e é através das características da forma que se extinguem as características do cabelo. Posteriormente é através da característica do vazio que se extinguem as características da forma. A Verdade Convencional é algo que nos faz sair da uma caverna depois de ter nela penetrado. Ou ainda, é através da Verdade Convencional que possui consistência o caminho do meio. Por que razão? É em função da continuidade dos cinco agregados que não ocorre a aniquilação, e é em função de sua extinção a cada instante de consciência que se supera o eternalismo. O distanciamento em relação ao aniquilacionismo e ao eternalismo é chamado aqui de caminho do meio. Conforme é ensinado nos Sutras, é através da visão da origem da existência mundana que se estingue a visão do nada, e é através da visão de sua extinção que se extingue a visão da existência. Como é através da Verdade Convencional que ocorre a visão da origem, é em função da visão da extinção que se fala na Verdade Convencional. Ou ainda, é através da Verdade Convencional que todo o Buddhadharma é verdadeiro. Existem aí os Portais da existência do ãtman e de sua negação. Se falarmos a partir da Verdade Convencional não existe erro em falar do ãtman e é em função da Verdade Rigorosa que é verdadeiro o ãnatman. Ou ainda, é em função da Verdade Convencional que se colocam as questões difíceis: ela possibilita responder a respeito de todos os dharmas efetivamente existentes. Ou ainda, se um ser sensível estiver envolto em uma ignorância profunda, se respondermos de forma literal ele pode afundar nas trevas desta mesma ignorância. Por que razão? Porque estas visões do ser e do não ser consistem precisamente no aniquilacionismo e no eternalismo. Não é possível conduzir os praticantes para além dos extremos do ser e do nada sem o recurso á Verdade Convencional. Ou ainda, se a pessoa ainda não tiver realizado o verdadeiro discernimento do vazio, e lhe for ensinado que não existem seres sensíveis a isto se chama a falsa visão. Como seres sensíveis não existentes estão sujeitos ao nascimento e á morte, isto é chamado de falsa visão. Se for dito que não existem seres sensíveis através da realização do vazio, não existe aí equívoco algum. Conforme é ensinado nos Sutras, a Monja que realizou a condição de Arahat fala se dirigindo a um demônio: ao que você se refere quando fala nos seres sensíveis? Só existem efetivamente os cinco agregados e nenhum ser sensível. Ou ainda afirma, este corpo é vazio e constituído através da continuidade dos cinco agregados, não possuindo existência própria. Ele é como uma ilusão ou uma aparição criada pela mente dos ignorantes. O olho é como a cólera ou como um bando de salteadores. Aquilo que é insatisfatório, vazio e ausente de ãtman consiste apenas nas características do surgimento e da extinção.

Pergunta: se trata aqui de uma mente sem propriedades. Por que razão ela pode ser tanto chamada de falsa visão quanto de Verdade Rigorosa?

Resposta: Se uma pessoa ainda não tiver feito surgir o verdadeiro discernimento do vazio, como ela possui a mente do ãtman, se ela ouvir a respeito do ãnatman será possuída pelo temor e pela ansiedade. Se o Buddha voltar a falar no vazio e no ãnatman com um ignorante, ele será completamente possuído pela ansiedade. Em função disto, como ele ainda não realizou o discernimento do vazio, possuindo a mente do ãtman, ele teme o Nirvana em função de sua ansiedade. A isto chamamos de falsa visão. Ao realizar o verdadeiro discernimento do vazio, ele compreenderá o caráter originalmente vazio e não alimentará temor. Ou ainda, esta pessoa que ainda não realizou o verdadeiro vazio pode cair em uma visão perversa ao contemplar a ausência de características. Ou seja, na visão perversa do aniquilacionismo. Se esta pessoa for instruída no início através da Verdade Convencional de que existe o ãtman, ela poderá desenvolver uma confiança inicial na causalidade cármica, vindo posteriormente a realizar a visão da impermanência e das características do surgimento e extinção de todos os dharmas. Ela irá realizar gradualmente a extinção e a ausência da mente do ãtman. É em função disto que se fala na Verdade Convencional. Ou ainda, os caminhos externos (2) acusam o Sramana Gotama de violar a verdade do ãtman. É por causa disto que o Buddha diz que que afirma a existência dos seres sensíveis através da Verdade Convencional em meio a uma visão correta. A existência dos seres sensíveis se refere á sua perambulação através do nascimento e morte se constituindo em uma visão correta. É apenas em função dos falsos pensamentos de um ignorante que se fala da existência efetiva dos seres sensíveis. Eu desfaço esta falsa visão sem desfazer os seres sensíveis. É da mesma forma com que se fala que um pote é uma existência nominal. Neste contexto, o pote não consiste de fatores como a forma. Não existe um pote separado de fatores como a forma. Da mesma maneira, os seres sensíveis não são fatores como a forma. Ou ainda, não é possível encontrar os seres sensíveis separados da forma. Fatores como a forma não podem ser confundidos com o nominal. Desta maneira, a característica da extinção é associada á forma. Como se trata de uma metáfora, isto é fácil de ser entendido. Uma lâmpada é uma lâmpada, mas não existe a função da lâmpada. Da mesma maneira com que se diz que um pote não é uma existência efetiva, mesmo que se fale dos cinco agregados não se trata da Verdade Rigorosa.

Notas.

1)       Usmagata ou o calor, o primeiro dos estágios mundanos do caminho.

2)     Caminhos externos são os ensinamentos não budistas.


segunda-feira, 2 de agosto de 2021

CURSO COM PROF DR JOAQUIM MONTEIRO

O quê : "A proposta de presente curso é estabelecer um diálogo e uma interlocução entre as questões da atualidade e o pensamento budista da Idade Média japonesa conforme expresso no Shobogenzo, obra capital do Mestre Dogen (1200-1253). Na medida em que será desenvolvida aqui uma abordagem centrada no Shobogenzo em 12 fascículos ele pretende aprofundar uma abordagem pouco conhecida entre os estudiosos no Brasil e no Ocidente. O Shobogenzo em 12 fascículos se constitui como a expressão central do pensamento de Dogen em seu período tardio, pensamento este que tem seu ponto de partida em uma radicalização de uma postura estritamente monástica marcada por uma ênfase central na "renúncia ao lar" (Shukke) e no recebimento dos preceitos do Vinaya (Jukai). No entanto, este momento de seu pensamento também foi marcado por uma mudança profunda em termos de seu posicionamento filosófico, mudança esta que possui implicações profundas seja pela leigos, seja para monásticos que vivem as questões da atualidade. Se em momentos anteriores de seu pensamento Dogen já tinha identificado a "Natureza búdica" e a impermanência, recusando assim qualquer conceito de um "dharma incondicionado", neste momento tardio ele conduz esta tendência de seu pensamento até os seus limites extremos através de uma radicalização do pensamento do surgimento e da extinção instantâneos dos 4 elementos e dos 5 agregados. Ao mesmo tempo, ele afirma a importância decisiva da Fé profunda na causalidade tanto mundana quanto supramundana de uma forma que coloca seriamente em cheque a ideologia moderna do "excepcionalismo budista" e sua afirmação ingênua e acrítica de uma identidade entre o Budismo e a ciência. Neste mesmo tópico ele desenvolve uma crítica não menos radical ao pensamento da "identidade entre os três ensinamentos" (Confucionismo, Daoísmo e Budismo") de uma forma que não só prefigura as posições da "Escola chinesa de estudos internos" na China do século XX, como que também pode proporcionar o fundamento a uma severa critica ao Perenialismo conforme em voga em nosso atual período histórico. Por fim, sua defesa da centralidade do suscitar da Bodhicitta e da importância do caminho do Bodhisatva aponta para a superação de uma prática budista enclausurada em uma perspectiva individualista e desprovida de uma perspectiva social e histórica. Neste sentido, a temática central do presente curso consiste na estabelecimento de uma diálogo profundo entre a perspectiva do pensamento de Dogen em seu momento tardio e os dilemas éticos e existenciais presentes em nosso atual momento histórico."  Joaquim Monteiro 

 Como: Serão 10 encontros on-line utilizando a plataforma ZOOM. 

 Contribuição flexível:  a partir de R$ 240,00 até R$ 300,00 para quem quiser contribuir com um valor   acima do valor mínimo.  

 Inscrições passo a passo:

 - Fazer pagamento, via depósito bancário, Banco Banrisul, agência 0032, Conta 39.069426.0-7 (conta POUPANÇA), Código do Banco para TED:041 - Dados: José Celso Aquino Marques, CPF 500.158.508-20, 

- ou PIX, chave de acesso: institutozenmaitreya@gmail.com, 

  em nome de José Celso Aquino Marques.

 - Enviar o comprovante para o e-mail: institutozenmaitreya@gmail.com, 

ou via whatsapp (51) 3226.7121.

 - Informando cidade, Estado e um contato de celular.

 - Aguardar a confirmação do recebimento do seu comprovante e confirmação

   de sua inscrição por email.


Observação: Os inscritos receberão um link para o acesso às aulas on-line, por email e 
via  grupo no whatsapp.

Quando: De 06 de setembro a  08 de novembro de 2021.

MESES

DIAS

DIAS

DIAS

DIAS

DIAS

SETEMBRO

06

13

20

27


OUTUBRO

04

11

18

25

 

NOVEMBRO

     01

08

 

 

 

 Horário: Todas as segundas-feiras das 19h30 às 21h. As aulas serão gravadas

 e caso a pessoa não consiga assistir ao vivo, poderá assistir a gravação em 

 outro horário. As perguntas ao professor poderão ser feitas via Whatsapp

 e por email.

 

Ministrante: Professor Doutor Joaquim Monteiro

Currículo: Joaquim Antônio Bernardes Carneiro Monteiro possui graduação em psicologia pela Universidade Santa Úrsula.RJ (1983), Mestrado em Budismo chinês pela Universidade de Komazawa, Tóquio, Japão (1997) e Doutorado em Budismo chinês pela mesma Universidade. (2001). Foi pesquisador do Instituto de estudos da cultura budista da Universidade Doho, Nagoya (1988-2003), Ensinou no Departamento de estudos budistas da Universidade de Komazawa (2001-2003), lecionou língua japonesa no Departamento de japonês da Universidade I-Show, Kaohsiung, Taiwan (2003-2005) e foi bolsista da Capes e Professor visitante na Coordenação de Pós-graduação em ciências das religiões da Universidade Federal da Paraíba, UFPB. (2013-2017). Dedica-se atualmente à tradução da literatura do Abhidharma Sarvãstivãda preservada em Mandarim e de obras da filosofia japonesa moderna e contemporânea.


Cronograma: 


1) Introdução

2) Análise do Busshô

3) A impermanência radical (1)

4) A impermanência radical (2)

5) Análise do Genjô Koan

6) A Fé profunda na causalidade (1)

7) A Fé profunda na causalidade (2)

8) O suscitar da Bodhicitta (1)

9) O suscitar da Bodhicitta (2)

10) Resumo e conclusão


Bibliografia:

" Pruning the Bodhi Tree- the storm over critical Buddhism", Edited by Jamie Hubbard & Paul L.Swanson, University of Hawaii Press, Honolulu, 1997.

James Mark Shields, "Critical Buddhism- engaging with modern japanese buddhist thought", Ashgate press, 2011.

"A escola de Kyoto e suas fontes orientais", Antonio Florentino Neto, Oswaldo Giacoia Junior, (orgs), editora Phi, 2017.

Evan Thompson, "Why I am not buddhist", Yale University Press, New Haven and London, 2020.